Dom, 25 de Maio de 2014
É o que revela uma pesquisa da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP/FGV)
Por: O Globo
Três vezes
por semana, a diarista Ana Cristina Carvalho, de 42 anos, sai do trabalho, na
Freguesia, Zona Oeste do Rio, às 18h30m. É o começo de uma jornada que vai
durar pelo menos três horas até sua casa, em Belford Roxo, na Baixada
Fluminense. Depois de caminhar 15 minutos até o ponto de ônibus, ela espera
mais 40 pelo coletivo da Transcarioca, apesar de a concessionária prometer
intervalos menores nos horários de pico. A chance de se sentar é remota. Sem
trânsito, ela chega a Bonsucesso, na Zona Norte, em pouco mais de 20 minutos.
Poderia ir a pé até a estação de trem por mais um quilômetro, mas recorre a um
mototáxi, insegura com o caminho mal iluminado. Nos trilhos, é mais meia hora
sacolejando em vagões lotados. Já na Baixada, ela toma outro ônibus para chegar
em casa. Para passar o tempo, dá uma conferida nas redes sociais pelo
smartphone.
Foto: O Globo
Cansada,
contabiliza R$ 12,80 gastos com transporte só naquele dia, mas comemora com um
sorriso largo a chegada ao lar. Aos poucos ela reforma a casa de dois quartos
com uma varanda tão grande que deu até para realizar ali a festa de casamento
da filha Thais, de 21 anos, no ano passado. A caçula Ana Guiomar, de 15, não
desgruda da TV a cabo. Apesar de trabalhar desde os 17, a vida de Ana só deu
uma virada nos últimos três anos, desde que teve a carteira assinada pela
patroa. Mas no vaivém para o trabalho, a vida continua dura.
-
Em casa, eu me sinto uma rainha. O problema é ter que sair - diz a diarista,
que faz bicos na Barra da Tijuca nos outros dois dias úteis que tem livres. O
calvário é o mesmo: - Num dia bom, são quatro horas no transporte. O tempo entre
uma condução e outra é o que mais cansa.
Assim
como Ana Cristina, milhares de brasileiros nas grandes cidades reconhecem que
sua vida pessoal melhorou nos últimos anos com a queda do desemprego e o
aumento da renda, mas estão cada vez mais insatisfeitos com a qualidade dos
serviços públicos. É o que revela uma pesquisa da Diretoria de Análise de
Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP/FGV), obtida pelo GLOBO com
exclusividade, e que ouviu 3.600 pessoas entre março e abril enquanto usavam o transporte
público em seis regiões metropolitanas cujas capitais vão receber jogos da Copa
do Mundo: Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São
Paulo.
Três quartos dos
entrevistados estão insatisfeitos
Praticamente
três quartos dos entrevistados se disseram insatisfeitos ou muito insatisfeitos
com a Segurança Pública, o Transporte, a Saúde e a Educação. O combate à
criminalidade foi o que recebeu maior reprovação: 80%. Em seguida, vieram a
Saúde (79%), o Transporte (73%) e a Educação (67%). Por outro lado, 77%
disseram que sua situação econômica pessoal melhorou ou ficou igual nos últimos
cinco anos.
-
A vida melhorou dentro da casa das pessoas, mas não do lado de fora. Quando as
pessoas falam da sua situação pessoal, dizem que melhorou. No entanto, quando
se pergunta sobre a prestação de serviços públicos, o nível de descontentamento
é altíssimo. É como se falássemos de dois mundos, de uma realidade partida -
diz Marco Aurélio Ruediger, diretor do núcleo da FGV que realizou a pesquisa: -
Se, por um lado, as políticas públicas dos últimos anos geraram uma melhora
palpável do bem-estar de camadas significativas da população, por outro lado,
têm falhado consistentemente no provimento de melhores serviços. Isso não
necessariamente diz respeito a aporte de recursos, mas de gestão dos recursos
que já existem.
Os
pesquisadores da FGV decidiram entrevistar usuários do transporte para medir o
grau de insatisfação da população justamente no que desencadeou os protestos de
junho de 2013. Os projetos de mobilidade urbana eram as maiores promessas da
Copa, mas a sensação nas principais cidades que vão receber os jogos é que
muito pouco saiu do papel. Agora, às vésperas do Mundial, greves de ônibus se
espalham pelo país e agravam as deficiências de um serviço já muito mal
avaliado pela população.
Para
65% dos entrevistados, o transporte público piorou ou ficou igual nos últimos
anos. Só 40% acreditam que vai melhorar nos próximos anos. O potencial
explosivo dessa péssima avaliação aparece na opinião de 88% dos entrevistados
de que haverá novas manifestações, se a questão do transporte não se resolver.
No entanto, a pesquisa acabou descobrindo que o transporte é apenas a ponta
mais visível de uma insatisfação generalizada em relação aos serviços públicos
mais básicos. Para Ruediger, isso pode explicar o aparente paradoxo das
pesquisas eleitorais, que apontam ao mesmo tempo um desejo de mudança e de
continuidade. De acordo com a última pesquisa do Ibope, nove entre dez
eleitores se dizem satisfeitos com a própria vida, mas 65% pedem mudanças.
-
Existe uma nova agenda, que governos ou os candidatos ainda não descobriram. As
pessoas não aceitam inflação e nem querem desemprego ou o fim dos programas
sociais. Não querem mudar isso. Só que a pesquisa mostra que isso já parece
consolidado, não acham que há possibilidade de perder. O que elas querem é
qualidade nos serviços básicos do Estado e não aguentam mais esperar - afirma o
pesquisador.
RJ é o estado mais
insatisfeito
Na
comparação entre as seis regiões metropolitanas pesquisadas, o Rio de Janeiro
foi o estado com maior insatisfação. A Saúde e a Segurança foram reprovadas por
84%. A insatisfação de 77% dos ouvidos com o Transporte só perde para Brasília,
com 82%. Na Educação, serviço com melhores resultados, o Rio é o que tem o
pior: 71% se disseram insatisfeitos. A família da diarista Ana Cristina não
sente a qualidade de vida limitada apenas pelo transporte ruim. Belford Roxo,
onde mora há 20 anos, tornou-se uma cidade violenta. Thais, a filha mais velha,
fez pré-natal num posto de saúde perto de casa, mas o seu bebê não consegue
atendimento de um pediatra na rede pública. O jeito foi gastar com um plano de
saúde. De acordo com os dados do último Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (Ideb), de 2011, o município de Belford Roxo obteve 3,8, abaixo da média
fluminense, de 4,8.
-
Minha vida melhorou, mas ainda falta muito para melhorar por aqui - conclui
Ana.
Saúde
e Segurança são serviços com os quais os brasileiros estão mais descontentes,
mas as deficiências deles se misturam com os outros, sobretudo com o transporte
público. De acordo com a pesquisa da FGV, 72% dos entrevistados disseram se
sentir inseguros como passageiros. Além de riscos como assaltos em ônibus, a
frequência do transporte pode expor passageiros ao risco em pontos de ônibus
por causa de falhas no policiamento. No caso da Saúde, a má distribuição de
unidades de Saúde, sobretudo nas periferias, é agravada pelo transporte
precário.
Entre
as seis regiões metropolitanas pesquisadas, a sensação de insegurança nos
transportes é maior em Belo Horizonte (79%) e em Recife (73%), apesar de a
Segurança não ser o serviço mais mal avaliado na capital mineira, e os assaltos
em ônibus estarem em queda na pernambucana.
Segundo
o Sindicato de Empresas de Transporte de Passageiros de Pernambuco, câmeras e a
redução do volume de dinheiro nos veículos com a bilhetagem eletrônica
reduziram em 27% o número de assaltos em coletivos no primeiro trimestre deste
ano em relação ao mesmo período do ano passado. Entre 2012 e 2013, os registros
caíram de 1.152 para 613, recuo de 43%.
Motoristas relatam casos
de violência
Mesmo
assim, cenas de violência são relatadas por quase todos os motoristas ouvidos
pelo GLOBO em terminais de integração da Região Metropolitana. Só dois não
haviam presenciado alguma cena de violência em coletivos.
-
Depois de um assalto, passei dois meses muito assustado, desconfiava de todo
mundo que entrava no ônibus. Quando estava esquecendo, veio outro - conta o
motorista Valério Ângelo de Lima, de 46 anos, há 17 trabalhando em ônibus.
No
último, um assaltante encostou um revólver em seu pescoço e pediu para ele
desviar do caminho habitual. Depois, raspou o caixa do cobrador e levou
celulares, joias, dinheiro e objetos pessoais dos passageiros.
-
O pior foi para o cobrador, que, além do susto, teve que assumir o prejuízo -
lembra Lima.
Outra
violência recorrente em Recife é o vandalismo contra ônibus: só no mês de
março, foram 852 ônibus depredados, sendo 676 no carnaval.
Recife
é também a cidade com maior insatisfação quanto ao tempo que as pessoas levam
para chegar ao trabalho: 75%. Mas a insatisfação em todas as regiões também é
alta: 67%. O nível de insatisfação cresce entre quem usa mais do que três
conduções. Chega a 79% entre quem pega cinco ou mais conduções por dia. Por
outro lado, o transporte é considerado caro ou muito caro para 67%. Entre todos
os entrevistados, 33% disseram que o peso do transporte aumentou nos seus
gastos nos últimos cinco anos. Para outros 23%, a parcela de sua renda que vai
para o transporte ficou muito maior nesse período.
Avaliação ruim das
administrações municipais e estaduais
Para
os pesquisadores da FGV, a percepção negativa sobre o transporte é aguçada pelo
fato de o cidadão pagar por ele todo dia. Para 65% dos entrevistados, o
transporte piorou ou ficou igual nos últimos anos, apesar dos investimentos dos
governos. As ações das administrações municipais e estaduais para o tema são
igualmente reprovadas pelos entrevistados: são boas ou ótimas para apenas 14%.
-
Existe a sensação de que o transporte não melhorou nos últimos anos, mas custa
cada vez mais caro - diz Marco Aurélio Ruediger, da FGV.
Para
84% dos entrevistados, uma atuação maior do governo federal poderia melhorar o
transporte público, mas a expectativa de melhora ainda é moderada: apenas 40%
são otimistas em relação ao futuro.
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