Qual é a
natureza de 96% do universo? E por que ele é formado de matéria, e não de
antimatéria? As respostas a essas e outras perguntas igualmente complexas são
ensaiadas no Snolab, laboratório especializado na pesquisa de neutrinos e
matéria escura. O Snolab faz parte de uma comunidade formada por 70
instituições em 14 países que se debruçam sobre o assunto, visto por muitos
especialistas como o maior desafio da ciência hoje. O problema é que a matéria
escura é formada por partículas que quase não interagem com o resto da matéria,
e os neutrinos são partículas subatômicas de fraca interação, o que torna quase
impossível detectá-los. Por isso, o laboratório fica mais de dois quilômetros
abaixo da terra, em uma mina da Vale na cidade de Sudbury, no Canadá. A mina é
praticamente livre de radioatividade e raios cósmicos (partículas de alta
energia que vêm do universo e penetram a Terra por todos os lados, atingindo a
totalidade da superfície). Para saber como anda a pesquisa cósmica, GALILEU
conversou com Nigel Smith, diretor do Snolab.
P: É possível dizer que o objetivo da equipe do Snolab é
tentar descobrir do que é feito o universo?
Sim. Temos duas pesquisas-chave, uma delas sobre matéria escura, um material
estranho que só sabemos que existe no universo porque tem efeito gravitacional.
As estrelas se movimentam bem rápido, e se não houvesse nada sustentando-as não
haveria galáxias; por isso é necessário que exista algo que as mantenha lá. A
matéria escura precisa estar no universo para sustentar as galáxias. Não
conseguimos enxergá-la, por isso é chamada de matéria escura. Uma ideia é que
ela seria uma nova partícula subatômica, e os experimentos que construímos
estão procurando por uma interação com essa partícula debaixo da terra. O
Snolab tem uma longa história também na pesquisa de neutrinos. Percebemos que
eles mudavam muito, até descobrir que existem três tipos de neutrinos e que
eles podem mudar de um estado para outro. A pesquisa atual do Snolab busca
entender as implicações dessa transformação, conhecer a massa e as
características dos neutrinos. Tanto eles quanto a matéria escura são
importantes para entender o funcionamento do Cosmos.
P: Existe relação entre as duas linhas de pesquisa?
Sim, usamos técnicas parecidas. O motivo de estarmos debaixo da terra é que na
superfície somos bombardeados por radiação cósmica o tempo todo, e isso
mascara os sinais que procuramos. A interação da matéria escura é muito fraca,
e os neutrinos interagem raramente, então precisamos nos livrar de toda essa
interferência usando detectores bastante sensíveis.
P: Quando vamos descobrir o que é a matéria escura?
Estamos tentando vê-la há 20 anos, e até agora nada. Nossos detectores são cada
vez mais sensíveis, e mesmo assim não vemos as partículas. A interação delas é
bem mais fraca do que pensávamos. Mas esperamos vê-las nos próximos cinco anos.
P: Depois dessa descoberta, como a matéria escura muda a forma
como pensamos o universo?
Entendemos apenas 4% do universo. Quando olhamos para cima e vemos as estrelas
e galáxias, sabemos que isso é uma parte ínfima do todo. É muito frustrante
saber tão pouco. Há algo bastante esquisito chamado energia negativa, que se
observa em escala cosmológica. Ela pode estar conectada às forças da gravidade,
que constituem cerca de 70% do universo; o resto é matéria escura. Já os
neutrinos possivelmente explicam por que o universo é feito de matéria, e não
de antimatéria. Quando o universo começou a existir, por ocasião do Big Bang,
deveria haver uma quantidade igual de matéria e antimatéria, que aniquilariam
uma à outra, de modo que só sobrasse energia. Por causa dos neutrinos, pode ter
acontecido um processo físico que deu origem a uma quantidade maior de matéria
do que de antimatéria. Com a aniquilação, teria sobrado um pouco de matéria, e
é nesse ponto que estamos.
P: Por que é tão difícil observar a matéria que forma 80% do
universo?
Isso ajuda muito na explicação (barulho de furadeira e choro de criança na sala
ao lado). Nossos detectores precisam trabalhar além do ruído de fundo. O
problema é que procuramos por uma interação fraca e silenciosa com nossos
detectores. A matéria escura e o neutrino liberam quantidades muito pequenas de
energia, que é mascarada por algo como o barulho dessa furadeira. A cada
segundo, dois ou três raios cósmicos atravessam sua mão. É como se eu
sussurrasse ao dar esta entrevista, com uma criança chorando e uma furadeira ao
fundo. Você tem de isolar o barulho para conseguir ouvir minha voz. Os raios
cósmicos são fáceis de detectar, mas a matéria escura não.
P: Sob sua direção, o Snolab expandiu suas atividades para
diferentes campos de pesquisa. Como isso funciona na prática?
A física sempre vai ser nosso maior foco, mas a pesquisa de ciência viva também
é importante. Por exemplo, observamos moscas-da-fruta subindo à superfície e
descendo até o laboratório para entender o que acontece no metabolismo delas
com a mudança de pressão do ar. Assim podemos saber qual a dieta ideal para
pessoas que descem muitos metros abaixo da terra. Também estudamos o efeito dos
níveis de radiação, algo que vai impactar a radiologia e como a célula é
afetada.
Fonte: Galileu
Fonte: Galileu
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