Uma janela para o universo 2 km abaixo da terra (21/2/2015)

Qual é a natureza de 96% do universo? E por que ele é formado de matéria, e não de antimatéria? As respostas a essas e outras perguntas igualmente complexas são ensaiadas no Snolab, laboratório especializado na pesquisa de neutrinos e matéria escura. O Snolab faz parte de uma comunidade formada por 70 instituições em 14 países que se debruçam sobre o assunto, visto por muitos especialistas como o maior desafio da ciência hoje. O problema é que a matéria escura é formada por partículas que quase não interagem com o resto da matéria, e os neutrinos são partículas subatômicas de fraca interação, o que torna quase impossível detectá-los. Por isso, o laboratório fica mais de dois quilômetros abaixo da terra, em uma mina da Vale na cidade de Sudbury, no Canadá. A mina é praticamente livre de radioatividade e raios cósmicos (partículas de alta energia que vêm do universo e penetram a Terra por todos os lados, atingindo a totalidade da superfície). Para saber como anda a pesquisa cósmica, GALILEU conversou com Nigel Smith, diretor do Snolab.

P: É possível dizer que o objetivo da equipe do  Snolab é tentar descobrir do que é feito o universo?
Sim. Temos duas pesquisas-chave, uma delas sobre matéria escura, um material estranho que só sabemos que existe no universo porque tem efeito gravitacional. As estrelas se movimentam bem rápido, e se não houvesse nada sustentando-as não haveria galáxias; por isso é necessário que exista algo que as mantenha lá. A matéria escura precisa estar no universo para sustentar as galáxias. Não conseguimos enxergá-la, por isso é chamada de matéria escura. Uma ideia é que ela seria uma nova partícula subatômica, e os experimentos que construímos estão procurando por uma interação com essa partícula debaixo da terra. O Snolab tem uma longa história também na pesquisa de neutrinos. Percebemos que eles mudavam muito, até descobrir que existem três tipos de neutrinos e que eles podem mudar de um estado para outro. A pesquisa atual do Snolab ­busca entender as implicações dessa transformação, conhecer a massa e as características dos neutrinos. Tanto eles quanto a matéria escura são importantes para entender o funcionamento do Cosmos.

P: Existe relação entre as duas linhas de pesquisa?
Sim, usamos técnicas parecidas. O motivo de estarmos debaixo da terra é que na superfície somos bombardea­dos por radiação cósmica o tempo todo, e isso mascara os sinais que procuramos. A interação da matéria escura é muito fraca, e os neutrinos interagem raramente, então precisamos nos livrar de toda essa interferência usando detectores bastante sensíveis.

P: Quando vamos descobrir  o que é a matéria escura?
Estamos tentando vê-la há 20 anos, e até agora nada. Nossos detectores são cada vez mais sensíveis, e mesmo assim não vemos as partículas. A interação delas é bem mais fraca do que pensávamos. Mas esperamos vê-las nos próximos cinco anos.

P: Depois dessa descoberta, como a matéria escura muda a forma como pensamos o universo?
Entendemos apenas 4% do universo. Quando olhamos para cima e vemos as estrelas e galáxias, sabemos que isso é uma parte ínfima do todo. É muito frustrante saber tão pouco. Há algo bastante esquisito chamado energia negativa, que se observa em escala cosmológica. Ela pode estar conectada às forças da gravidade, que constituem cerca de 70% do universo; o resto é matéria escura. Já os neutrinos possivelmente explicam por que o universo é feito de matéria, e não de antimatéria. Quando o universo começou a existir, por ocasião do Big Bang, deveria haver uma quantidade igual de matéria e antimatéria, que aniquilariam uma à outra, de modo que só sobrasse energia. Por causa dos neutrinos, pode ter acontecido um processo físico que deu origem a uma quantidade maior de matéria do que de antimatéria. Com a aniquilação, teria sobrado um pouco de matéria, e é nesse ponto que estamos.

P: Por que é tão difícil observar a matéria que forma 80% do universo?
Isso ajuda muito na explicação (barulho de furadeira e choro de criança na sala ao lado). Nossos detectores precisam trabalhar além do ruído de fundo. O problema é que procuramos por uma interação fraca e silenciosa com nossos detectores. A matéria escura e o neutrino liberam quantidades muito pequenas de energia, que é mascarada por algo como o barulho dessa furadeira. A cada segundo, dois ou três raios cósmicos atravessam sua mão. É como se eu sussurrasse ao dar esta entrevista, com uma criança chorando e uma furadeira ao fundo. Você tem de isolar o barulho para conseguir ouvir minha voz. Os raios cósmicos são fáceis de detectar, mas a matéria escura não.

P: Sob sua direção, o Snolab expandiu suas atividades para diferentes campos de pesquisa. Como isso funciona na prática?
A física sempre vai ser nosso maior foco, mas a pesquisa de ciência viva também é importante. Por exemplo, observamos moscas-da-fruta subindo à superfície e descendo até o laboratório para entender o que acontece no metabolismo delas com a mudança de pressão do ar. Assim podemos saber qual a dieta ideal para pessoas que descem muitos metros abaixo da terra. Também estudamos o efeito dos níveis de radiação, algo que vai impactar a radiologia e como a célula é afetada.
Fonte: Galileu



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