Pesquisadores comprovam existência de matéria escura na região central da Via Láctea (21/2/2015)

Desde os anos 70 os físicos sabem da existência de matéria escura em nosso universo. Mais de quatro décadas se passaram e, até hoje, a ciência ainda não tem uma resposta precisa sobre a natureza desta substância e nem detalhes sobre sua exata distribuição pelo cosmos. Na semana passada, um artigo publicado no periódico Nature Physics forneceu, pela primeira vez, evidências concretas da presença de matéria escura na região localizada entre o sol e o centro da Via Láctea. Até então, sabíamos que ela existe em outras galáxias, mas fazer cálculos relativos à nossa própria galáxia sempre foi um grande desafio aos cientistas, já que estamos inseridos nela, e isso dificulta muito as coisas.
Conversamos com o líder do estudo Fabio Iocco, italiano pesquisador do Instituto Sul-Americano de Pesquisa Fundamental (ICTP-SAIFR) e do Instituto de Física Teórica da Unesp. “Gostamos de considerar isso como um primeiro passo”, disse. Depois de terem respondido com segurança a questão fundamental que é a existência de matéria escura próxima da Terra, Iocco e sua equipe pretendem em breve fornecer mais detalhes sobre a substância misteriosa em um outro artigo.
Confira a íntegra da entrevista com o pesquisador:
O senhor poderia explicar brevemente o método utilizado para determinar a presença de matéria escura na parte interior da Via Láctea?  O método foi o mesmo que é usado em todas as galáxias espirais – ele leva em conta a medida do movimento de rotação do centro da galáxia toda, que medimos a partir da análise de gás e de estrelas. É importante entender que, em galáxias espirais, a rotação está relacionada à força gravitacional. Para medir este movimento é preciso determinar o total de força gravitacional agindo em um ponto, e então calcular a massa total que está dentro da galáxia. Portanto o total de força gravitacional é dado a partir da massa total. Quando comparamos esta massa com a massa das estrelas e do gás que vemos, percebemos que existe uma discrepância entre as duas. Então deve existir alguma massa, alguma coisa que exerce gravidade, mas não é visível. Não é estrela, não é gás, também não se trata de pequenos buracos negros ou outras coisas do gênero. Logo, deve ser aquilo que chamamos de matéria escura, que não interage com a luz de nenhuma forma, nem mesmo cria uma sombra. Não é que não esteja brilhando, simplesmente não há interação.

De que formas este tipo de matéria influencia na dinâmica de nossa galáxia? Ao todo, a matéria escura compõe a maior parte da massa da galáxia. Na região que fizemos as medições, que é uma grande porção da galáxia visível, existe mais ou menos a mesma quantidade dos dois tipos de matéria. Por isso é tão difícil de medir, pois a quantia é parecida, então o efeito da matéria escura ali é menor do que no resto da galáxia. É preciso ter medições muito precisas para determinar sua presença, do que nós dispúnhamos, e este é o motivo de nosso estudo ser tão novo. Nós conseguimos determinar nesta região um componente que não é dominante, mas sim mais ou menos comparável às estrelas visíveis. Ele afeta a dinâmica na medida em que podemos medi-lo, mas não interage com as estrelas. Se a pergunta for: “a matéria escura cria estrelas?”, a resposta é não, ela não faz nada, é inerte. Ela apenas contribui para a gravidade e um pouco para a rotação nesta região.

Existe matéria escura no espaço intergaláctico, ou ela se concentra apenas no interior das galáxias? Ela está basicamente por toda parte no universo, distribuída. Nas galáxias existe uma maior concentração, mas isso porque ela cria potencial gravitacional que atrai gás. De certa maneira, a matéria escura permite a formação da galáxia, porque o gás é atraído por este potencial e então forma as estrelas. Portanto existe matéria escura dentro de uma galáxia e também entre uma galáxia e outra, mas neste espaço ela é menos concentrada do que no interior galáctico. No entanto, a substância compõe a maior parcela da massa de aglomerados de galáxias, por exemplo, como o Aglomerado Bala. Apesar de ser abundante ali, ainda assim é menos densa do que nos interiores.

O senhor e seus colegas demonstraram a existência de matéria escura na Via Láctea, mas não sua distribuição. Por quê? É claro que nós vamos fazer esta parte, na verdade já estamos fazendo, e ela será publicada em outro artigo. A razão é que na literatura existem muitos estudos mostrando a abundância da distribuição de matéria escura, mas no geral, para se obter esta distribuição, é preciso confiar, em certa medida, em uma suposição sobre a forma da substância. Com isso se acha unidade e pode-se trabalhar com as concepções. Entretanto, a quantidade descoberta é tão válida quanto sua suposição inicial. Neste estudo, queríamos provar, além de qualquer dúvida razoável, que a matéria escura estava lá. Então não fizemos suposição nenhuma, seja quanto a sua presença, ou quanto sua distribuição. Nossa intenção era manter o conteúdo do estudo mínimo. Trata-se realmente de uma resposta à mínima pergunta: existe ou não existe? A resposta é: existe, além de qualquer dúvida razoável. É claro que, com os dados que coletamos, podemos dar uma resposta mais precisa sobre como é a forma, e nós vamos fazer isso no mês que vem, mas neste estudo nós realmente quisemos ser clean.

Há décadas sabemos da existência de matéria escura, mas continuamos sem entender direito sua natureza. O senhor acha que a descoberta de que a substância existe tão perto de nós irá ajudar neste entendimento? Sim. Algumas considerações importantes: a primeira é que existem muitas possibilidades para o que é a natureza da matéria escura, e existem experimentos tanto na Terra quanto no espaço para avaliar a possibilidade de que partículas de matéria escura se aniquilam no céu e então nos mandam uma mensagem. Estes experimentos precisam inicialmente da densidade da substância. Especialmente os telescópios olham para o centro da galáxia. O fato de estarmos vendo que existe matéria escura ali certamente fornece um primeiro material. No futuro, como dizia, vamos delimitar a exata distribuição da matéria escura, isso vai diminuir as incertezas sobre esta questão e auxiliar nos experimentos que podem levar à determinação de sua natureza. Nossos resultados definitivamente vão ajudar. Existem também questões como se influencia ou não na formação de galáxias, quanto de matéria escura existe no centro, se ela é fria ou quente. O fato de saber que ela está lá e, no futuro, estabelecer exatamente quanto está lá, também vai nos ensinar algo sobre a formação de nossa galáxia. Gostamos de considerar isso como um primeiro passo.

Fonte: Galileu


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